A Polícia Civil investiga uma associação criminosa comandada pela facção PCC especializada em furto e roubo de celulares para invadir contas bancárias e fazer transferências via Pix. Depois, os aparelhos mais sofisticados são “exportados” para a África, onde acabam comercializados. A base do grupo é o bairro Bela Vista, na região da avenida Paulista, em São Paulo.
Até agora cinco pessoas são investigadas. Um homem de 22 anos foi preso na semana passada em uma pensão na rua Major Diogo. De acordo com a polícia, ele foi o responsável por desbloquear um celular iPhone furtado pouco antes de uma mulher que estava parada no trânsito, perto do parque Ibirapuera, na zona sul. Na ação, o aparelho foi levado após o vidro do carro da vítima ser quebrado.
De acordo com o delegado Ânderson Honorato dos Santos, da 2ª Delegacia Patrimônio, ligada ao Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), o esquema vem sendo investigado há cerca de um mês.
“Essa quadrilha usa a Bela Vista como base porque o bairro fica perto de locais onde ela tem mais facilidade para furtos e roubos de celular”, diz o policial, que cita a avenida Paulista.
Levantamento realizado recentemente pelo jornal Folha de S.Paulo, com base em análise de boletins de ocorrência, mostrou que a avenida Paulista é líder de furto de celular na capital. Na via, foram 2.804 registros na Polícia Civil no ano passado.
Segundo o titular da delegacia especializada, há funções bem definidas na quadrilha. O esquema começa com o furto de celular — roubo, diz ele, só ocorre em último caso, quando há reação da vítima. Em seguida, o aparelho é levado para desbloqueio.
O homem preso na semana passada contou, segundo a polícia, que insere o chip do celular furtado ou roubado em um segundo aparelho para “quebrar” senhas e então acessar o telefone da vítima.
A partir daí, um segundo “especialista” entra em ação, para “quebrar” senhas bancárias e acessar as contas. “Ainda estamos investigando como fazem isso”, afirma o delegado.
Na sequência vem o “tripeiro”, como é conhecido o responsável pelo gerenciamento dos “conteiros” —pessoas que negociam o uso de seus dados bancários em troca de um percentual do lucro — ou então de contas abertas com documentação falsa. É ele quem coordena saques e transferências.
Além da prisão do jovem na semana passada, a polícia apreendeu celulares de suspeitos de fazer parte do esquema. Com autorização judicial, investigadores pretendem rastrear trocas de mensagens que mostrem as transações.
Tudo, de acordo com o delegado, é muito rápido, para evitar que bancos tenham tempo de bloquear as contas das vítimas. “Tem que ser, no máximo, no mesmo dia”, explica. Por isso, ele ressalta, quem teve o celular levado deve registrar logo o caso, além de avisar o banco.
Segundo as investigações, o esquema descoberto na Bela Vista não foi criado pelo PCC. De acordo com Santos, primeiro a facção criminosa tentou coibir furtos de celulares na região, para evitar a presença da polícia. Mas, quando descobriu a lucratividade, assumiu o comando dessas ações.
“Numa conta grosseira, calculamos que, em média, R$ 50 mil são desviados das contas bancárias das vítimas [a cada caso]”, afirma o delegado Santos. “Há casos menores, de R$ 2 mil, mas os saques podem passar de R$ 100 mil”, diz.
Por enquanto, a delegacia só conseguiu fazer ligação do PCC com golpes do Pix na célula da Bela Vista. Mas a facção pode estar envolvida em outros crimes do tipo, já que, segundo o delegado Santos, vítimas de sequestro para saques de dinheiro só são levadas para cativeiros em comunidades dominadas pela organização criminosa mediante sua autorização.
“De tudo que gera lucro o PCC se arvora”, afirma o delegado.
Rafael Alcadipani, professor da área de segurança da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que o crime passou a notar que esse tipo de ação vale muito a pena. Ele lembra ainda que a origem do PCC é o roubo a banco e que agora as pessoas têm uma agência bancária nas mãos.
“Manter uma célula dessas é muito mais rentável do que correr o risco de trocar tiros com a polícia e ser morto em um assalto a banco”, diz.
A vítima furtada perto do Ibirapuera, que não havia dado queixa, foi identificada pela polícia porque deixou sua carteira de habilitação entre a capa do celular e o aparelho. “Ela não queria nem vir buscar o telefone porque estava com medo”, diz o delegado.
Caso não tivesse sido recuperado, o celular da vítima poderia ser “exportado”. “Um iPhone bloqueado dificilmente vai funcionar depois no Brasil”, explica Santos.
De acordo com a polícia, os aparelhos da Apple costumam ser entregues pela quadrilha para nigerianos no centro de São Paulo que, em esquemas de “mulas” — ou seja, contratados para fazer o transporte para o crime, são levados para países da África, onde o controle é menor.
“Essa é uma segunda parte da investigação, em que ainda precisamos avançar mais”, diz. Já os celulares mais simples são comercializados no mercado ilegal no Brasil, afirma o delegado.
Investimento
Para Alcadipani, é preciso muito investimento da polícia em qualificação para lidar com essa nova realidade do crime.
“É necessária uma reciclagem nessa questão tecnológica”, diz ele, citando que a polícia no Brasil já tem algumas linhas de excelência para combater esse tipo de ação.
De acordo com o especialista, quando a polícia desmonta células do crime organizado, como a descoberta na Bela Vista, é difícil de ela ser refeita novamente, pois é necessária uma “mão de obra” muito especializada.
Questionada sobre prisões relacionadas a furtos e roubos de celular e a golpes envolvendo Pix, a Secretaria da Segurança Pública não respondeu até a publicação desta reportagem.