Os dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) refletem um cenário alarmante: apenas nos primeiros 10 dias de 2023, 42 estupros foram registrados em Mato Grosso do Sul. Crianças de até 12 anos são as principais vítimas, com 20 casos.
Na sequência, 11 adolescentes já sofreram violência sexual no mesmo período. Juntos, os dois públicos representam 73,80% do total de casos de estupro registrados até o dia 10 deste mês.
Em entrevista ao Correio do Estado, no mês de dezembro, o promotor de Justiça titular da 69ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, Marcos Alex Vera de Oliveira, relatou que, na quase totalidade dos casos, o autor se aproveita da pouca idade das vítimas, da sua dificuldade em relatar os abusos e até mesmo do temor reverencial para cometer os crimes.
“Tanto que o maior porcentual de vítimas de crimes sexuais é do sexo feminino e possui idade entre 5 e 11 anos”, disse.
Em Campo Grande, o número de sete crianças de até 12 anos violentadas sexualmente representa 50% dos 14 casos de estupro registrados nos primeiros 10 dias deste ano na Capital. Em seguida, os adolescentes aparecem em 28,5% dos casos registrados, com quatro vítimas de até 17 anos, conforme os dados da Sejusp.
Oliveira destacou que, na imensa maioria dos casos, o crime é praticado no seio familiar, onde o autor possui, de alguma forma, relação de convivência doméstica com a vítima e se aproveita justamente dessa condição para praticar os crimes.
“Às vezes, os sinais de abuso dentro de casa, apesar de evidentes, não são entendidos ou devidamente observados por outros integrantes do seio familiar, que têm o dever de proteção para com a vítima. Portanto, é possível afirmar que a negligência das famílias também contribui para esse tipo de delito”, frisou o promotor de Justiça.
QUATRO VÍTIMAS POR DIA
De acordo com o balanço realizado pelo Correio do Estado com dados da Sejusp, em 2022, MS contabilizou 1.977 estupros.
Entre as vítimas, 965 são crianças de até 12 anos, o equivalente a 48,81% do total de casos registrados. Os adolescentes de até 17 anos representam 33,68% dos casos, com 666 vítimas em todo o ano passado.
Em média, foram praticados cinco casos de violência sexual por dia no Estado. A cada 24 horas, quatro crianças e adolescentes foram estupradas em Mato Grosso do Sul. A média para esses dois grupos permanece a mesma em 2023.
Para o promotor de Justiça Marcos Alex Vera de Oliveira, a segurança pública pode contribuir em duas frentes no combate aos crimes sexuais contra as crianças: a de prevenção dos casos, por meio de campanhas educativas ou de esclarecimento, alertando a população sobre o que pode ser enquadrado como crime sexual, as elevadas penas para os autores desses crimes, as maneiras de se identificar, no próprio seio familiar, os indícios de abuso e, por fim, quais são os canais para denúncias existentes.
“Já a segunda frente é o trabalho de investigação e repressão desses crimes, buscando rapidamente o esclarecimento dos fatos e o encaminhamento do resultado da apuração aos órgãos do sistema de Justiça, para responsabilização dos autores”, afirmou o promotor.
SINAIS
Segundo a psicóloga Izabelli Coleone, é necessário que os pais fiquem atentos a qualquer sinal de mudança no comportamento dos filhos. Atitudes retraídas, dificuldade na comunicação ou isolamento podem ser alguns dos sinais de abuso sexual.
Coleone explicou ao Correio do Estado que, quando uma criança entra em sofrimento, independente da razão, a angústia é refletida no comportamento.
“Às vezes ela pode ficar mais retraída, recusar o toque ou ter receio de ficar sozinha se o abusador, por exemplo, faz parte do convívio familiar”, salientou a especialista.
A psicóloga completou que, além das orientações básicas do dia a dia em família, falando sobre a conscientização do sexo, das doenças e do cenário dos abusos sexuais, é importante que os pais pratiquem o acolhimento com os filhos.
“Dessa forma, as crianças vão poder se aproximar de alguém de confiança e relatar o que aconteceu. Dependendo da idade da criança, as informações podem ser dadas de forma lúdica, mas sempre bem claras e de maneira que isso faça sentido caso venha ocorrer”, destacou a psicóloga.
ESTUPRO DE VULNERÁVEL
O professor de inglês de 36 anos de idade da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande (Reme) que foi detido na terça-feira, em casa, pela Polícia Civil, por suposto envolvimento em casos de estupro contra 14 alunos com idades que variam de 4 a 11 anos, foi indiciado pela por estupro de vulnerável.
Em coletiva de imprensa realizada na manhã de ontem, a delegada titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), Anne Karine Sanches Trevizan Duarte, revelou não restarem dúvidas de que o professor de inglês cometeu os crimes.
Segundo as informações, o professor lecionava inglês em uma escola da Reme localizada na Vila Carvalho desde o começo do ano letivo de 2022.
A investigação começou no dia 16 de novembro, quando houve a primeira denúncia, na qual a criança compareceu à delegacia acompanhada dos pais. Imediatamente o professor foi afastado para o andamento da investigação e logo novos casos começaram a aparecer.
Ao todo, foram 16 boletins de ocorrência registrados. Desses, 14 foram confirmados e outros dois ainda estão em investigação. Todas as crianças que foram vítimas são do sexo masculino.
Conforme detalhes apurados pela polícia, o homem cometia o crime na sala de aula, na frente das outras crianças, ao passar a mão em regiões íntimas das vítimas enquanto elas estavam atrás da mesa dele.
“O interrogatório durou mais de três horas e meia, e ele negou todos os fatos. Ele disse que não abusava das crianças, mas confirmou que conhecia todas elas e que lecionava para elas”, disse a delegada.
Mesmo diante da negativa do autor dos crimes, a delegada deixou claro que não há dúvidas quanto às práticas criminosas.
“Nós tivemos a narrativa de alguns professores que o viram dando beijos em algumas crianças, e ele alega que é porque tinha uma relação muito próxima, na qual as crianças eram amorosas com ele e ele retribuía dessa forma”, explicou Duarte.
A delegada relatou que a descoberta dos abusos começou com mães em grupos de WhatsApp da própria escola. Elas começaram a questionar os próprios filhos sobre a conduta do professor, e algumas mães concluíram que as crianças realmente estavam sendo abusadas.
DESDOBRAMENTO
Um dos casos mais recentes de violência extrema contra crianças completou um mês ontem. No dia 11 de dezembro de 2022, uma menina de 11 anos foi espancada, estuprada e assassinada dentro de sua residência, no Bairro Nossa Senhora das Graças, na região da Vila Nasser.
De acordo com a polícia, a mãe da criança estaria em um bar consumindo bebida alcoólica enquanto a menina estava em casa cuidando de dois irmãos mais novos, sendo um menino de três anos e um bebê.
O homem de 31 anos acusado de matar e estuprar a menina passou por audiência de custódia no dia 14 de dezembro e teve a prisão em flagrante convertida em preventiva.
Como já publicado pelo Correio do Estado, o delegado responsável pelo caso, que está sendo conduzido pela DEPCA, Roberto Morgado, confirmou que o suspeito confessou o crime.
Saiba: Conforme o artigo 217-A do Código Penal, o crime de estupro de vulnerável se caracteriza em: “Ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos”. A violência acarreta em pena de oito a 15 anos, podendo se estender até 30 anos.
Fonte: Correio do Estado